Novos tempos e a família multiparental maior empenho na resolução de algumas questões?

O ensaio trata de dois casos sobre problemas relacionados ao registro de crianças. Num deles, após a morte do pai, o avô teve eliminado o vínculo com a criança que fora adotada pelo padrasto. O outro caso trata da possibilidade de registro de duas mães e um pai.
O programa “Fantástico” do dia 15/03/2015 apresentou reportagem sobre um avô que se sentia ultrajado após ter o nome do filho “apagado” da documentação de sua neta por determinação de decisão exarada por instância judicial do interior de São Paulo. Segundo afirmou, tinha “deixado de ser avô” [1].
Com a morte trágica de seu filho, que foi assassinado, restou-lhe a neta apenas. Contudo, após desentendimentos, a ex-nora passou a negar o direito de ele ver a neta, o que o levou a buscar a tutela jurisdicional para ter direito à visitação. Ele se sagrou vencedor e obteve o direito de ver a neta a cada quinze dias, mas com um novo desentendimento as visitas foram novamente suspensas por ato deliberado da mãe, e desde então encontra problemas para se relacionar afetivamente com a neta.
Quando a ex-nora se casou novamente, seu marido (atual) requereu a adoção unilateral da menina, e a decisão do Juízo da Infância e Juventude, após os trâmites legais, com acompanhamento do Ministério Público, determinou a retirada do nome dos avós biológicos da certidão de nascimento da menina, e a inserção do nome do atual marido da mãe como pai afetivo, inclusive alterando o sobrenome da menor.
O avô assim reagiu:
“Não tem meu nome mais, ela não tem vínculo comigo. Na certidão de nascimento dela, o nome do meu filho foi tirado, o meu nome, o da minha esposa. Agora eu não existo também, o que é o que eu sou? Que mundo que é esse?”, diz Osmir Torres.

Em “sua defesa”, a mãe alegou que a menina “... sabe que o pai dela está no céu. Que o pai dela é o Osmar. Ela tem essa consciência”, mas “optou ter um outro pai que é o Leonardo, foi ela, decisão dela”. A criança, que contava com um ano e onze meses quando o pai morreu em 2011, deve hoje beirar os seis anos de idade.
Segundo a reportagem apurou, ainda, a promotora que atuou na ação de adoção desconhecia o fato de os avós biológicos serem presentes na vida da menina, e informou, sem gravar entrevista, que diante dos fatos novos apresentados pela jornalista, iria pedir outro estudo psicológico e social da mãe e do agora pai (afetivo), e que também iria pedir ao Juiz que as visitas dos avós biológicos continuem sendo feitas, apesar do sobrenome não constar mais na certidão da neta.
Por fim, ouvido o Ministro Ricardo Lewandowski, Presidente do Supremo Tribunal Federal, ele afirmou que casos de adoção unilateral devem ser apreciados com especial atenção, e há jurisprudência formada no sentido de que avós biológicos devem ser citados e ouvidos, pois todos os familiares que possuam algum direito ou dever na criação do menor devem participar em processos com essa finalidade.
Noutra situação, um artigo publicado no site Consultor Jurídico [2] informou que a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reformou decisão de 1ª instância e deferiu pedido de registro de uma criança com duas mães e um pai, ao argumento de que o Direito deve se adequar aos fatos sociais que vão a caminho da multiparentalidade, com novos arranjos da família ocorrendo na sociedade, em especial porque beneficia a criança.
A decisão de piso havia negado o pedido por violação aos princípios da legalidade, da tipicidade e da especialidade, que norteiam os Registros Públicos, mas ela foi reformada.
No acórdão restou consignado que “A ausência de lei para regência de novos – e cada vez mais ocorrentes – fatos sociais decorrentes das instituições familiares, não é indicador necessário de impossibilidade jurídica do pedido”, mormente porque a proteção integral e o melhor interesse do menor são princípios informadores do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990).
Afirmou-se, ainda, que em casos de omissão da lei aplicam-se os princípios gerais de direito estabelecidos no artigo 4º da Lei nº 4.657/1942 (LINDB), que são a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Além disso, a antiga Lei de Registros Públicos deve ser relativizada se não for compatível com princípios constitucionais, em especial no que tange à promoção do bem sem preconceitos de sexo ou qualquer outra forma de discriminação ou à vedação de designações discriminatórias relativas à filiação, conforme preveem os artigos 3º, inciso IV, e 227, § 6º, da CF/1988, haja vista que seriam “‘objetivos e princípios fundamentais’ decorrentes do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana”.
A decisão de 2ª instância data de 12/02/2015, enquanto a menina nasceu no ano de 2014, conforme é possível verificar do seguinte excerto do relatório:
Informam que são amigas fraternas, de longa data, de PAULO e que desde 2012 se preparam, com auxílio da psiquiatra (declaração fl. 27), para terem um filho em conjunto, o que se concretizou em 00/00/2014, com o nascimento de ISABEL, filha biológica de PAULO e MARIA.
Pode ser uma grande coincidência, mas que a causa que trata da multiparentalidade andou “a jato” enquanto o problema do avô negligenciado pela mãe vai de carroça, isso é verdade.
A solução para o caso do avô poderia ser a mesma encontrada para resolver a demanda do casal de homossexuais femininos, pois se um pode incluir o nome de duas mães, por que não homenagear o pai falecido e manter inclusive o nome dos seus pais – avós da menor – na certidão?


A dignidade da pessoa humana seria preservada, e o bom senso mais ainda.

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